Abril 4, 2008
Posted by Paulo Guinote under Avaliação, Ponto da Situação
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Eis o relato de uma das pessoas presentes na reunião em que a Ministra e o Sr Pedreira foi ao Norte tentar «domesticar» eventuais focos de resistência à implementação do novo modelo de avaliação:
Vou colocar-vos mais ou menos a par das CINCO horas de reunião... cheguei há pouco e sem apetite, sequer, para comer, e já pouca capacidade tenho para reflectir, por isso perdoem qualquer coisinha:
- Presença de Jorge Pedreira, que esteve uma hora a apresentar o 2/2008, como se ninguém o conhecesse!!!! ficou tudo já à beira de um ataque de nervos;
- Entretanto, chegou a ministra... quem já esteve noutras reuniões com ela, confirmou que se apresentava muito mais conciliadora, compreensiva, muito mansa.... umas das pérolas que disse, no meio de toda a sua infinita compreensão, é que 'ninguém pode dizer que os professores titulares são os que têm mais mérito'... Lá do fundo eu exclamei logo, que ela mesma o tinha dito (não, não me ouviu... o ruído foi muito) - afirmou que compreendia (pois...) que muitos pusessem em causa a credibilidade dos seus avaliadores, por essa razão, mas tal não se aplicava a todos os casos, que aquele tinha sido um concurso, que a partir de agora seriam avaliados e, mesmo esses titulares, poderiam estar sujeitos a avaliações menores... em todo o caso, tanto ela como o secretário disseram que o executivo podia, de acordo com a sua autonomia (!), dispensar um titular que considere não oferece garantias nem inspira confiança nos colegas (não... não me perguntem mais nada! o espanto foi geral e objectivamente não responderam às objecções levantadas)
- Mesmo a questão de uns professores estarem sujeitos a avaliação externa dos exames e outros não.... 'as escolas podem desenvolver outros mecanismos que considerem necessários para a ferir com justiça'.... ou seja, podem até escolas agrupar-se e realizar exames aos restantes, partilhando a experiência (lindo, não é?!?!?!....)
- Até ao fim desta semana (sim, a ministra disse saber que hoje é quinta) sai o despacho com as orientações para a simplificação, que não ficou, mesmo assim clara... as escolas podem sempre decidir.... há uns mínimos... os itens podem ser reduzidos/compactados para um, mas não se pode mexer nos parâmetros ou subparâmetros (mas depois já dizia que sim... sei lá!) e pode haver observação de aulas, se se entender, enfim.... dizem que não podem impor um modelo, já que há escolas que têm o processo a decorrer e não lhes podem dizer que está tudo errado... e É VERDADE!!! houve uma artista que apresentou a sua preocupação, pela falta de tempo no caso dos contratados, porque entende que os coordenadores devem também avaliar e que, pelo menos, deve observar duas aulas - já tinha reunido com os contratados, já tinham acordado tudo isso, mas não tinha tempo! (cá para mim queria que prolongassem o calendário escolar até Agosto!)
- Quotas e impedimentos... pois, parece que nos vão tirar o tapete: sairá o despacho em breve (tem que ter a assinatura da ministra e do ministro das finanças), mas 'a questão dos interesses está a ser acautelada'. Mais ainda, as quotas estarão distribuídas, não por departamentos, mas por grupos: contratados, professores dos quadros, professores titulares. Creio que, deste modo (mas já não me sinto capaz de pensar escorreitamente) elimina a questão dos interesses, não? A bolsa é diferente...
- Certamente há muito mais, mas já nem me ocorre. Deixo-vos só outra pérola, agora do Pedreira: 'o ministério não está disposto a apadrinhar uma avaliação de faz de conta. Não há renovação de contrato nem progressão sem avaliação. A lei é clara e só pode ser alterada por decreto lei... nem este governo, nem outro futuro, o fará'!!!!
Pronto... que me dizem?!?!?!
Resumo da reunião dos dois secretários de estado com os PCEs de Lisboa
Geração do Ecrã
Aqui vos mando um excelente texto de Alice Vieira sobre o caso da agressão
à professora do liceu Carolina Michaelis.
Contudo, gostaria de deixar alguns pontos para reflexão:
1.º - Em termos políticos e no sentido lato é incrível o que esta geração
de políticos pós-25 de Abril (de todos os quadrantes políticos sem
excepção) conseguiu fazer da 'Família' e do 'Sistema de ensino'.
2.º - A escola passou a ser apenas um local onde se deixam os filhos
enquanto os pais vão trabalhar, para ganhar baixos salários e para que
cerca de 25% dos mesmos seja destinado ao crédito à habitação (que dá
lucros fabulosos à banca);
3.º - A família pouco tempo tem para os filhos e, por isso, para não se
aborrecer abdica de ensinar as regras básicas de convívio em sociedade,
criando verdadeiros meninos mimados e egoístas que só pensam nas pessoas à
sua volta em função daquilo que lhes podem dar.
4.º - Em sentido restrito, nesta situação concreta da agressão à
professora, é lamentável o silêncio da Ministra da Educação e,
curiosamente, dos dirigentes da FENPROF. Quando é para o regabofe, para
dizer mal (a primeira, dos professores; os segundos, das políticas de
educação) logo estão eles a dar a cara e a aparecer na televisão. Agora que
houve barraca e que é necessário defender a única vítima disto tudo (a
professora, de 60 anos, agredida e humilhada), simplesmente remeteram-se ao
silêncio e não apareceram.
5.º - A ministra tem criado polémica mas diz que as mudanças são para ter
alunos melhor preparados para enfrentar o futuro e 'os desafios da
globalização' . Contudo, contrariamente ao afirmado, aprova políticas que
vão conduzir exactamente no sentido contrário: desautorização dos
professores; elevação do nível de escolaridade à custa do facilitismo. Não
deveria ser exactamente o contrário? Não se deveria ser mais exigente e
mesmo reprovar alunos quando estes não estão preparados?
6.º - Uma palavra para o jornalismo pimba (principalmente da televisão
oficial do regime, a RTP, entenda-se) que repetiu exaustivamente as
imagens, num desrespeito por todos os envolvidos, em vez de cumprir o seu
papel e confrontar a Ministra, os sindicatos e os demais intervenientes no
sistema de ensino.
7.º - Com toda esta panóplia de factos e na constante tentativa política de
destruir o sistema de ensino público, não tenho dúvidas de que graças à
política da 'má educação', o futuro de Portugal estará hipotecado.
Agora leiam o texto da Alice Vieira, que é o mais importante.
Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida
pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente
falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo
o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única
coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não
contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos
transportes públicos, só quem nunca viu os 'Morangos com açúcar', só
quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter
ficado surpreendido.
Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado
todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos
motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo,
e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a
sr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar…- é que tem
coragem de afirmar que não existe violência nas escolas…)
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em
vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos
finalmente que a violência existe!
O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma
professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito
mais assustador.
Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos
que as nossas crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos
nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por
dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era
permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa
avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente
nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto
acontecesse.
A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as
auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não
deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a
porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um
velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me
perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra)
professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se
passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de
comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.
In Jornal de Notícias, 30.3.2008